2022-03-04

Neurociência

Tecnologia e as PEA

A nossa terapeuta ocupacional Maria Luísa participou recentemente na publicação de um livro científico relacionado com o uso das terapias digitais na reabilitação e saúde mental denominado “Digital Therapies in Psychosocial Rehabilitation and Mental Health”, pela edição do capítulo “Gamification Applied to Autism Spectrum Disorders”. Sendo, portanto, o seu capítulo relativo à intervenção, monitorização, empoderamento e capacitação associada às perturbações do espetro do autismo (PEA), partilhamos hoje alguns dos pontos chave da sua investigação e uma breve reflexão sobre as potencialidades do uso correto das tecnologias e jogos nas PEA.

 

É inegável o aumento exponencial do uso da tecnologia na rotina da generalidade da população, comparativamente ao observado nas últimas décadas. Embora muito frequentemente estejam associadas ao envolvimento no lazer, a tecnologia atualmente desempenha um papel fundamental na componente laboral, social e pessoal da rotina de um indivíduo e, como seria de esperar, esta sua aplicação generalizada traz muitos benefícios, se e quando bem aplicada.

 

Focando-nos nas PEA, torna-se relevante perceber quais as bases teóricas que possam sustentar o uso das tecnologias nesta população clínica/desenvolvimental. Esta condição diz respeito a um conjunto de perturbações neurodesenvolvimentais que, segundo os critérios de diagnóstico do DSM-V, possuem prejuízo persistente na comunicação social recíproca e na interação social e apresentam padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, com possíveis reações de hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspetos sensoriais do ambiente.

 

Por este motivo, e por todas as características que se podem atribuir aos vários dispositivos eletrónicos e tecnológicos disponíveis nos dias de hoje, facilmente se encontram tecnologias aplicadas em várias áreas associadas às PEA, como é o caso da educação, da comunicação, do comportamento e do processamento sensorial. De facto, cada vez mais são os estudos científicos a evidenciar as melhorias obtidas com as tecnologias a nível do reconhecimento emocional, imitação, troca de turnos, cooperação, bem como de competências académicas, visuo-percetivas, sensório-motoras e associadas à funcionalidade nas atividades de autocuidados.

 

Para além das características já mencionadas, as PEA são uma condição persistente, pelo que a utilização de tecnologias pode mostrar-se benéfica na transição para a vida adulta e/ou para ajudar os indivíduos a ganhar competências funcionais importantes para o seu dia a dia. De facto, pensando na área da autonomia e independência por exemplo, existem até aplicações/intervenções preparadas para ajudar a aprender a apanhar um transporte público ou até mesmo a prestar os primeiros socorros.

 

Uma das utilizações das tecnologias mais conhecidas e utilizadas nas PEA consiste nos sistemas de Comunicação Aumentativa e Alternativa, que pretende ser uma ferramenta útil na comunicação no dia a dia do indivíduo com PEA, uma vez que possibilita a comunicação funcional necessária para suprir as suas necessidades ou comunicar interessentes e vontades, devendo ser adaptada e utilizada em função dos facilitadores/barreiras ambientais, competências sensório-percetivas e motoras associadas ao perfil individual e necessidades.

 

Contudo, importa salientar que quando nos referimos a tecnologias referimo-nos a aplicações nos dispositivos móveis, jogos, realidade virtual, entre muitos outros. E o que é que todos têm em comum? São práticos, facilmente acessíveis, interativos, atrativos, fáceis de adaptar se necessário e motivadores para toda e qualquer pessoa com PEA. Características estas que, muitas vezes, não se conseguem garantir em intervenções convencionais e podem ser fulcrais para o processo terapêutico e para aumentar a motivação da criança/jovem/adulto para a participação em atividades outrora desmotivantes e/ou consideradas de difícil realização. Por outro lado, deve ter-se em conta que as tecnologias podem comprometer processos terapêuticos quando estas estão apenas  centradas nos interesses, mas não respondem a necessidades terapêuticas e/ou desenvolvimentais/clínicas.

 

Por isso, tecnologia nas PEA, SIM OU NÃO?

 

SIM e NÃO! Como sugerido, não nos podemos esquecer que com as tecnologias é necessário ter em conta o tempo de permanência junto de ecrãs, a possibilidade de diminuição da interação social pelo empenho em interagir apenas com os dispositivos tecnológicos e a necessidade de garantir que os conteúdos são adequados à faixa etária e necessidade do indivíduo. Mas, e como já abordado acima, com o acompanhamento e/ou utilização adequada, as tecnologias podem ser uma ferramenta potenciadora da participação e pode assim ser considerada uma mais valia para a população com PEA, quer a nível habitacional, quer terapêutico, quer educacional.

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