2023-07-10

Terapia Ocupacional

Praxis e dispraxia

A praxis consiste num conjunto de competências que permite a realização de ações motoras com propósito, coordenadas e organizadas sequencialmente, fundamentais para a interação e exploração do ambiente. Esta está implícita na imitação de comandos verbais (praxis oral) e visuais (praxis postural), na construção visuoespacial, assim como na sequência de ações.

Para a praxis, contribui o estado de alerta e a capacidade discriminatória dos vários sistemas sensoriais, dando ênfase ao tátil, propriocetivo, visual e vestibular. Estes são fundamentais para o esquema corporal, que consiste na consciência da posição do corpo no espaço, e está na base das competências práxicas.

A nível anatómico, ainda que envolva ambos os hemisférios cerebrais, vários estudos sobre as competências práxicas destacam o hemisfério esquerdo como o predominante no que diz respeito às ações motoras. Dá-se ênfase aos lobos frontal e parietal, que contêm, respetivamente, as estruturas corticais responsáveis pela ordem de movimento (córtex motor primário, córtex prémotor e área suplementar motora) e pelo processamento de informações sensoriais. Como estrutura subcortical destaca-se os gânglios da base, presentes nesse hemisfério, que têm o papel de regular o tónus muscular, auxiliar no início do movimento e controlar movimentos involuntários.

Num desenvolvimento normativo, nem sempre a criança consegue desenvolver a praxis como é esperado, por lenta maturação ou desenvolvimento das estruturas cerebrais mencionadas acima. Quando as limitações são acentuadas e causam impacto na vida pessoal e académica da criança, considera-se a presença de uma condição patológica conhecida por dispraxia.

A dispraxia é caracterizada pela dificuldade em realizar ações motoras coordenadas sem défice neurológico ou motor associado. Assim, as dificuldades de movimento manifestadas são atribuídas maioritariamente a limitações percetivas, nomeadamente visuomotoras, cinestésicas e somatossensoriais, que irão levar a alterações no planeamento, sequenciação e coordenação das ações motoras.

As dificuldades apresentadas surgem nos vários contextos onde a criança participa (casa, escola, lazer), aquando movimentos globais, finos e/ ou orofaciais. Nestes, é evidenciada descoordenação, diminuição da velocidade e, por vezes, até desequilíbrio, na posição de pé.

É comum que crianças e jovens com dispraxia apresentem dificuldade em atingir marcos desenvolvimentais da infância, como gatinhar, andar, falar, e, mais tarde, na autonomia em atividades como comer, vestir, escrever, recortar, tocar instrumentos musicais e realizar exercício físico. Em todas estas atividades as limitações são observadas na manipulação de objetos do dia, no suporte dos mesmos sem os derrubar ou deixar cair, no tempo de reação durante as atividades, na organização dos espaços, no discurso e na aprendizagem de novos conhecimentos ou tarefas.  É de salientar que por vezes estas dificuldades acarretam consequências negativas no que diz respeito à socialização e autoestima da criança. Ainda assim, verifica-se uma maior resiliência na realização das atividades, como forma de compensar e melhorar as dificuldades, que têm consciência que existem.

Ainda que a praxis seja algo natural e inato na pessoa, uma lesão neurológica cerebral adquirida, como acidente vascular encefálico, demência ou perturbação do movimento (como é o caso das doenças de Huntington e de Parkinson, por exemplo), pode resultar numa apraxia. A apraxia consiste então na incapacidade de desempenhar tarefas motoras previamente aprendidas e desempenhadas, por dificuldade em executar programas motores e não por limitações motoras, sensoriomotoras ou cognitivas.

Em suma, como principais diferenças entre a apraxia e a dispraxia pode destacar-se a etiologia (lesão cerebral ou menor maturação das estruturas cerebrais, respetivamente) e o tipo de atividades em que são sentidas dificuldades (já aprendidas e desempenhadas previamente à lesão ou novas atividades, respetivamente). Porém, as competências práxicas afetadas são semelhantes em ambas as condições e apenas altera a idade típica de diagnóstico: no caso da dispraxia, como é uma patologia a nível desenvolvimental, o diagnóstico é frequentemente feito entre os 6 e os 12 anos de idade, quando a criança manifesta dificuldades na escola e em casa que não consegue colmatar; no caso da apraxia, como é resultante de uma lesão, o diagnóstico tende a ser feito num período após a mesma.

Outro artigos

Que podem interessar!
2022-03-15

A importância da relação terapêutica

2022-03-16

Sinais de alerta para rastreio em terapia ocupacional

2023-01-03

A Terapia Ocupacional em contexto habitacional e escolar

2023-02-01

Dificuldades alimentares e a Terapia Ocupacional

2023-03-28

A identidade além do diagnóstico: Os “rótulos” clínicos por detrás da funcionalidade

2023-06-23

A importância da natureza no desenvolvimento infantil